Privatização dos Correios como estímulo a precarização

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Dentre tantas funções primordiais e também sociais que a estrutura dos Correios está sempre pronta a atender, a gigantesca capilaridade instalada, que conecta o Brasil, tem alto valor estratégico para nossas dimensões continentais. De tão importante, é até difícil encontrar referência monetária para mensurar o valor de tal integração.

Já na iniciativa privada, por mais que a economia tenha migrado parte da geração de valor para o ambiente virtual, o arranjo logístico para fazer um bem físico chegar ao comprador segue como estrutura fundamental na estratégia de negócio do competitivo mercado global.

Daí vem tanto interesse dos grandes grupos empresariais, sobretudo ligados ao varejo, pela rica estrutura envolvida no projeto de privatização, mas que jamais seria objeto de investimentos dos mesmos grupos. As clássicas leis de mercado não justificariam viabilidade no investimento em agências e centros de distribuição nas áreas mais distantes dos grandes centros em que chega a Estatal, independente da receita obtida pelo investimento.

Porém, não há dúvida de que, sob eventual concretização da venda, se o contrato previr atendimento a todos os pontos hoje existentes, ele será cumprido. A operação para atender ao contrato é que pode surpreender.

Boa aposta para o formato pode ser o da precarização, com a conta a ser paga por um agente pré-determinado: o trabalhador.

Imaginemos que o interesse no atendimento pelos novos proprietários chegue apenas aos municípios maiores. A partir daí, encomendas envolvendo localidades de menor porte teriam a operação terceirizada, mas pelo modelo já utilizado pelos gigantes econômicos, que precariza relações de trabalho, à exemplo das administradoras de transporte por aplicativo, ou mesmo das entregas velozes de varejistas virtuais.

De maneira desrespeitosa passamos a chamar de empreendedores os pobres trabalhadores que precisam se sujeitar a renúncia à proteção social, ao autofinanciamento de gastos no trabalho e às jornadas extenuantes em que repouso semanal vira artigo de luxo.

Num caso extremo, em que o contrato firmado com trabalhadores já não cobre custos de aluguel de veículos e combustível para os deslocamentos, as alternativas para sustento podem até chegar na ameaça à saúde do trabalhador.

Lamentável é pensar que originalmente nosso conjunto de leis zela pela proteção social ao trabalho, mas a força do capital vem, com muita hostilidade, desafiando a conquista. É uma afronta até a democracia que construiu a proteção.

Contudo, a narrativa do interesse econômico pode levar até a própria classe trabalhadora a entender que a ameaça se restringe ao grupo dos atuais trabalhadores da Empresa de Correios, diluindo a solidariedade no protesto. Doce ilusão!

Se até a proteção social prevista em lei é confrontada por novos modelos geradores de lucros maiores, não resta a menor dúvida de que é um precedente de precarização para mais categorias, que pode caminhar a passos largos.

Num país em que a perversidade da distribuição da renda se ampara na reduzida proporção dos rendimentos do trabalho, a precarização em questão sinaliza que a melhora, tão necessária ao desenvolvimento, ficará cada vez mais distante. Resta provar se por incompetência, por insensibilidade ou por projeto.

Luiz Claudio Marcolino (ativista social, bancário, vice-presidente da CUT SP)

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