Silvia Morales, vereadora em Piracicaba (PV), do Mandato Coletivo A Cidade é Sua
Foto: Wikimedia Commons
No dia 04 de novembro, comemora-se o Dia da Favela. Muitos acham que seja pejorativo. “Favela” é o significado de uma planta com espinhos, característica da região de Canudos na Bahia. A história das favelas se inicia no final do século XIX, após a Guerra de Canudos, quando fora prometido aos ex-combatentes ao voltaram para Rio de Janeiro, no início de novembro, que teriam suas casas próprias. O não cumprimento pelo governo causou protestos e ocuparam o Morro da Providência no RJ, e lá construíram seus barracos. Neste morro, já se encontravam também moradores expulsos de cortiços, devido às reformas sanitaristas na área central, e de ex-escravos, após a abolição. Pela semelhança e lembrando-se da planta, denominaram o Morro da Providência como Morro da Favela.
Principalmente a partir do século XX, a urbanização brasileira se deu de maneira periférica, o fenômeno da exclusão sócio-territorial, com falta de opções de moradias, de saneamento básico, ruas estreitas, e outros serviços públicos necessários, para uma grande parcela da população. Assim, as pessoas se organizaram como podiam, principalmente em áreas que sobravam, “improprias” ao mercado imobiliário.
Vale lembrar que a moradia é um direito social, trazido pela Constituição Federal de 1988, através do artigo 6, juntamente com outros direitos como saúde, educação, lazer. Assim, a consolidação deste direito, nestes locais, trouxe também outros instrumentos legais, em especial início do século passado, com o Estatuto da Cidade, em 2001, como desapropriações, usucapião, regularização fundiária.
Estes locais são sinônimos de residência, luta, e reivindicação de direitos. Além de serem o berço da cultura brasileira, onde o rap, o samba, o funk, o grafite se origina, e também vários documentários clássicos de nossa história. Diversos artistas trouxeram esta história repleta de realismo, como Adoniram Barbosa, Bezerra da Silva, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, MV Bill, Emicida, Anitta e muitos outros.
Cerca de 800 dos municípios brasileiros tem favelas, totalizando cerca de 7 mil núcleos, onde moram aproximadamente 12 milhões de pessoas.
Nas grandes capitais vemos situações mais emblemáticas, como no caso das favelas do Rio de Janeiro, onde o morro e o asfalto se dividem, por exemplo do Morro do Vidigal, e em São Paulo como e o caso da favela de Paraisópolis ao lado do bairro do Morumbi.
O que importa é que, embora o estigma da favela seja ruim, de marginalização e violência, estes locais são responsáveis, por grande parte dos trabalhadores, da economia, da vida de nosso país. Movimentam cerca de R$ 56 milhões por ano, onde vivem motoristas de ônibus, faxineiras, policiais, profissionais da construção civil.
Assim, é inadmissível que ainda cerca de 46% dos lares não tenham água encanada, e que não “enxergarmos” esta desigualdade social tão exposta em nossas cidades.
Conforme relatam Renato Meirelles e Celso Athayde, no livro “Um País Chamado Favela”, a favela tem mais potência do que carência. Possuem as características mais desejadas pelo ser humano, quais sejam, criatividade, vontade de empreender, saber lidar com situações adversas, alegria, solidariedade. Ainda, os autores colocam que as favelas são protagonistas de suas próprias histórias e que o Brasil ainda tem muito que apreender com os moradores de favelas.
Assim, devemos pensar os territórios populares como cidades, com articulações dinâmicas do sistema sócio-político, pois embora “partida”, a cidade é uma só.
Dentre tantas funções primordiais e também sociais que a estrutura dos Correios está sempre pronta a atender, a gigantesca capilaridade instalada, que conecta o Brasil, tem alto valor estratégico para nossas dimensões continentais. De tão importante, é até difícil encontrar referência monetária para mensurar o valor de tal integração.
Já na iniciativa privada, por mais que a economia tenha migrado parte da geração de valor para o ambiente virtual, o arranjo logístico para fazer um bem físico chegar ao comprador segue como estrutura fundamental na estratégia de negócio do competitivo mercado global.
Daí vem tanto interesse dos grandes grupos empresariais, sobretudo ligados ao varejo, pela rica estrutura envolvida no projeto de privatização, mas que jamais seria objeto de investimentos dos mesmos grupos. As clássicas leis de mercado não justificariam viabilidade no investimento em agências e centros de distribuição nas áreas mais distantes dos grandes centros em que chega a Estatal, independente da receita obtida pelo investimento.
Porém, não há dúvida de que, sob eventual concretização da venda, se o contrato previr atendimento a todos os pontos hoje existentes, ele será cumprido. A operação para atender ao contrato é que pode surpreender.
Boa aposta para o formato pode ser o da precarização, com a conta a ser paga por um agente pré-determinado: o trabalhador.
Imaginemos que o interesse no atendimento pelos novos proprietários chegue apenas aos municípios maiores. A partir daí, encomendas envolvendo localidades de menor porte teriam a operação terceirizada, mas pelo modelo já utilizado pelos gigantes econômicos, que precariza relações de trabalho, à exemplo das administradoras de transporte por aplicativo, ou mesmo das entregas velozes de varejistas virtuais.
De maneira desrespeitosa passamos a chamar de empreendedores os pobres trabalhadores que precisam se sujeitar a renúncia à proteção social, ao autofinanciamento de gastos no trabalho e às jornadas extenuantes em que repouso semanal vira artigo de luxo.
Num caso extremo, em que o contrato firmado com trabalhadores já não cobre custos de aluguel de veículos e combustível para os deslocamentos, as alternativas para sustento podem até chegar na ameaça à saúde do trabalhador.
Lamentável é pensar que originalmente nosso conjunto de leis zela pela proteção social ao trabalho, mas a força do capital vem, com muita hostilidade, desafiando a conquista. É uma afronta até a democracia que construiu a proteção.
Contudo, a narrativa do interesse econômico pode levar até a própria classe trabalhadora a entender que a ameaça se restringe ao grupo dos atuais trabalhadores da Empresa de Correios, diluindo a solidariedade no protesto. Doce ilusão!
Se até a proteção social prevista em lei é confrontada por novos modelos geradores de lucros maiores, não resta a menor dúvida de que é um precedente de precarização para mais categorias, que pode caminhar a passos largos.
Num país em que a perversidade da distribuição da renda se ampara na reduzida proporção dos rendimentos do trabalho, a precarização em questão sinaliza que a melhora, tão necessária ao desenvolvimento, ficará cada vez mais distante. Resta provar se por incompetência, por insensibilidade ou por projeto.
Luiz Claudio Marcolino (ativista social, bancário, vice-presidente da CUT SP)
Como diz a sabedoria popular, o uso do cachimbo faz a boca torta.
É o que revela notícia de que o prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes enviou à Câmara Municipal projetos de reforma administrativa que prevêem entre outras coisas, dobrar salários de indicados políticos.
Esta medida possibilita a prática do “cabide de empregos” e uso político da máquina pública se consolida como fio condutor da essência que conecta o prefeito de cidade de São Paulo, Ricardo Nunes, o governador do estado João Doria e o presidente Jair Bolsonaro.
Com o discurso de enxugar a máquina pública, modernizar a gestão, o trio lança o ilusionismo retórico, engana a população e usa o funcionalismo público como bode expiatório para justificar as ações que, no fundo, trarão severos prejuízos para a população usuária dos serviços públicos.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, está prestes a ser deliberado o Projeto Lei Complementar 26/2021, de autoria do governador João Doria que se trata de uma réplica da PEC 32, também em processo de votação na Câmara Federal.
Ambas propostas retiram vários diretos dos trabalhadores dos serviços públicos conquistados ao longo de muitos anos de luta.
Revestido de Reforma Administrativa, o projeto de Doria pretende derrubar benefícios consolidados como por exemplo, abono por insalubridade, concedido nas situações em que os profissionais são expostos à riscos, como é o caso dos trabalhadores da saúde, em especial neste momento de pandemia da Covid-19.
A nova regra fragiliza a estabilidade no serviço público, ao estipular critérios subjetivos de avaliação de desempenho do trabalhador e abreviar o processo administrativo de demissão.
De acordo com dados do TCE – Tribunal de Contas do Estado até dezembro de 2020, o Estado de São Paulo dispunha de 571 mil funcionários públicos, número insuficiente em vários setores que acabam tendo desempenho comprometido por falta de pessoal para atender a população.
Nas últimas décadas, nos debates eleitorais temos visto a colocação recorrente que preconiza o estado mínimo, sob o argumento que a máquina está inchada.
Muitos desavisados aplaudem, apoiam e mal sabem que estão concordando com o funcionamento precário do Estado, com a falta profissionais em diversas áreas.
Segundo dados da Secretaria Estadual de Educação em 2019, a pasta atingiu o déficit de 8.500 profissionais.
A falta de servidores também pode ser constatada na área da segurança pública. Dados do SINDPESP (Sindicato dos Delegados de Polícia) aponta que o déficit alcançou 12.985 policiais civis, de acordo com levantamento realizado em 2019.
No interior do estado é muito comum delegados e investigadores atenderem quatro, cinco municípios, ou seja, fazem rodízio no atendimento à população.
Outra situação sofrível vivida pelas pessoas, em consequência da falta de servidores ocorre em caso de morte provocada por acidente ou por mal súbito. Invariavelmente familiares ficam horas à espera de perito e polícia técnica para recolher o corpo, em razão de poucos profissionais.
Na saúde, o governo usou o déficit de funcionários para justificar as terceirizações, sob argumento que o setor privado é mais eficiente que o público e daria agilidade ao atendimento.
Ocorre, que os empresários buscam lucro e não contratam trabalhadores suficientes para sanar a demanda e, aí seguem os represamentos e filas principalmente nos centros urbanos no acesso ao sistema de saúde.
Esta é a realidade do Estado mínimo que poderá ser mais drástica para a população empobrecida e com o desemprego aumentando, eleva-se também a procura por serviços públicos essenciais.
Mas, em vez de realizar concursos públicos, contratar mais trabalhadores, gerar emprego, oferecer serviços eficientes e de qualidade para a população, estes governos optaram por atacar os servidores e consolidar a contratação de temporários em detrimento ao concurso público, o que abre brecha para o cabide de emprego, clientelismo e indicação política com os melhores salários.
Cabe à sociedade protestar e exigir maior presença de serviço público de qualidade e para todos.
Estado forte, presente para atender as necessidades das pessoas é uma das chaves para alcançarmos justiça social, inclusão, geração de emprego e renda e superação das desigualdades.
Na engrenagem da gestão pública, toda a sociedade brasileira contribui por meio dos impostos direitos e indiretos, para manutenção dos serviços públicos que acessamos ao receber a vacina contra a Covid-19, por exemplo, e nos atendimentos hospitalares e de saúde, bastante demandados nos últimos tempos, em razão da pandemia.
Os serviços públicos de saúde, assim como das áreas da educação, segurança pública entre outros correm sério risco de desmonte por conta de iniciativas dos governos João Doria, no Estado de São Paulo, e Bolsonaro, no Governo Federal.
Ambos apresentaram propostas de projetos nomeados de Reforma Administrativa, mas que na verdade são desmontes dos serviços do Estado, a partir de ataque aos trabalhadores dos serviços púbicos.
Em Brasília está próximo de ir à votação a PEC 32, Projeto de Emenda Constitucional e, aqui em São Paulo, o PLC 26, Projeto de Lei Complementar de autoria do governador, sendo que as medidas são idênticas em muitos aspectos. As propostas pretendem consolidar a contratação de serviço temporário em detrimento ao concurso público e desferem ataques aos direitos conquistados pelos funcionários públicos ao longo do tempo e após muita luta.
Dentre os benefícios que os governos pretendem acabar ou reduzir estão o direito ao bônus por insalubridade, de produtividade, abono de permanência, restringe direitos à licença prêmio, além de fragilizar os trabalhadores com a possibilidade de
demissões quando suas funções estiverem superadas pelas novas dinâmicas e tecnologias.
É importante ressaltar que não se trata de defesa corporativa dos funcionários públicos quando alertamos sobre as ameaças dos projetos dos governos.
Vale lembrar que adentramos no uso dos serviços públicos por diversas portas da vida cotidiana, que vai desde as creches, escolas públicas, postos de saúde, hospitais, serviços funerários, delegacias, os sistemas de segurança, transporte público que tem o valor da tarifa amenizada por ser subsidiada pelos gestores públicos (municípios), com recursos oriundos também dos impostos.
Todos os serviços públicos estão neste momento seriamente ameaçados caso sejam aprovados a PEC 32 e o PLC 26 que terão impactos diretos na sociedade e na dinâmica do dia-a-dia das pessoas.
Na educação, por exemplo, com os professores temporários, os estudantes serão prejudicados no processo de aprendizado, com o risco de constante mudança de profissional.
O mesmo pode ocorrer na saúde, com o médico temporário o paciente pode não ter mais um profissional da saúde acompanhando a evolução do seu quadro.
No item referente às funções superadas, o governo é particularmente cruel ao não possibilitar o remanejamento ou aperfeiçoamento dos servidores e apenas os ameaça de demissão sumária, com a retórica de modernização do Estado e ou Reforma Administrativa.
Neste quadro temos alguns trabalhadores ainda mais fragilizados em decorrência da natureza de suas funções como motoristas, faxineiras, merendeiras, telefonistas, sendo que muitos já estão terceirizados, ou seja, há tempos foram precarizados e perderam direitos.
Desde que 2017, com a reforma trabalhista, temos vivido o sistemático desmonte do Estado, com a redução de suas funções e nos atendimentos à população. Situação agravada ao adotar medidas administrativas que muitas vezes custam mais caro para a sociedade e oferecem serviços e atendimentos precários e demorados como as OSs (Organização Social da Saúde), contratas pelo Estado principalmente na gestão dos hospitais.
Quero aqui lembrar da cilada dissimulada pela fachada de modernização, como a proposta de voucher para as famílias pagarem creches particulares para seus filhos.
O Estado se desobriga com a educação pública e passa a comprar um serviço que deixa lacunas para questões sem respostas como qual é a garantia de equidade na qualidade dos serviços e atendimentos às crianças? Quem faz a fiscalização do preparo e qualificação dos profissionais? E as condições de trabalho?
Enfim, é mais um passo do gestor público saindo de cena no compromisso com a garantia de serviço público de qualidade para todos, eliminando as carreiras públicas de estado, embalado numa falsa modernização e ainda, abrindo os cofres do Estado para o setor privado ter fonte de renda garantida.
Por este rol de fatores que alertamos a sociedade para os riscos das propostas nocivas dos governos da dupla Bolsonaro e João Doria.
Por Luiz Claudio Marcolino
Ativista Político e Social, vice-presidente da CUT SP